O sete Sacramentos da Igreja

INTRODUÇÃO AOS SACRAMENTOS
Autor: Mor Gregorios Youhanon Ibrahim
Tradução: Aniss Sowmy

1. INTRODUÇÃO GERAL AO SACRAMENTOS:

1.1. Não pretendo neste discurso abordar a base bíblica em cada sacramento como os autores contemporâneos. Em verdade, todos os autores das Igrejas Orientais Ortodoxas abordam os sacramentos: Batismo, Crisma (Santo óleo – Muron – da confirmação), Arrependimento/confissão, Eucaristia, Matrimônio, Sacerdócio e Unção dos enfermos, todos eles citam os mesmos versículos tanto do Velho como do Novo Testamento confirmando todos estes sacramentos e o mesmo ocorrendo quando falam da participação do Espírito Santo nos sacramentos.

1.2. Os autores contemporâneos das Igrejas Orientais Ortodoxas escreveram sobre os sacramentos a partir de diferentes aspectos: bíblico, canônico, bíblico-espiritual, histórico e litúrgico.

Desde o século IV até o final do século XIV os estudiosos da Igreja Siríaca (Sirian) Ortodoxa de Antioquia, que é a minha Igreja, estudaram detalhadamente os sacramentos.

Focando os sacramentos do Batismo, Crisma, Sacerdócio e Eucaristia, escreveram de forma clara e detalhada variados textos teológicos, exegéticos, espirituais e ascetas. Alguns destes textos ainda estão conservados nos manuscritos siríacos. Em verdade nós nos consideramos privilegiados e com sorte de ter fontes tão importantes nestes assuntos. Ironicamente não há um único autor ou livro que se dedicou à analise especializada dos “sete” sacramentos como nos nossos dias quando estudiosos e autores se especializam nesta matéria.

Quero aqui citar o trabalho de uma de nossas fontes de conhecimento; ele é Jorge, o bispo para os árabes (+725AD) e que fora consagrado em 686 d.C. para os árabes de Al Kufa situados no atual Iraque; ele escreveu um livro de forma concisa em quinze páginas tratando dos sacramentos e escolhi para citar o que segue do seu prefácio: “os doutores da Igreja fizeram exposições dos ministérios, exposições de fôlego e minuciosas em alto estilo em especial São Dionísio, o discípulo do apóstolo Paulo, um dos juízes do areópago que era bispo na cidade de Atenas: Eu também fiz uma sucinta para instrução dos amantes da doutrina especialmente aqueles que são pusilânimes como nós e são incapazes de constantemente ler os volumes dos santos padres ou porque não os tem a mão ou porque nem todos são capazes de compreender o sublime significado como os santos padres… o início, portanto, dos mistérios dos cristãos é a fé verdadeira”.(1)

1.3. Isto comprova como nossos estudiosos no século VII reconheceram os sacramentos da Igreja. Jorge, o bispo para os árabes, por exemplo, tratou compreensivelmente com apenas quatro sacramentos iniciando com a fé depois o batismo seguido da Santa Eucaristia e finalmente a confirmação-crisma. Ele pode ser considerado o sacramento da fé como a entrada para o sacramento do batismo, no entanto ele demonstrou nitidamente que a base dos sacramentos no cristianismo é a fé verdadeira. Alocou os ensinamentos da fé aos diáconos e sintetizou seus ensinamentos consistindo em ouvir e familiarizar-se com os evangelhos, no entanto, o ministério do batismo era de exclusividade do sacerdote.

1.4. Em siríaco (ou aramaico) a palavra “ROZO” no novo testamento tem vários significados. Decididamente não quer dizer “SECRETO” ou “ESCONDIDO”, pois, estes em siríaco seriam “TAXIO” ou “CASSIO”. Por exemplo, quando José não queria tornar pública a concepção da Virgem Maria pensou em divorciar-se dela secretamente – “MTAXIOITH”. A mesma palavra é citada quando Jesus visitava Betânia após a morte de Lázaro, Marta foi chamar sua irmã Maria secretamente – “CASSIOITH”. (2)

A palavra “ROZO” – “MISTÉRIO” – é usada no evangelho na forma como nós a entendemos quando usada para os sete sacramentos. Por exemplo, na parábola do semeador, como em São Marcos, Jesus diz aos seus doze discípulos “a vós é dado conhecer o mistério (rozo) do reino de Deus” (3). Aqui Ele não usa a palavra “segredo” como é usada em algumas traduções modernas.

São Paulo usa a palavra “ROZO” – “MISTÉRIO” – nas suas epístolas corretamente no mesmo sentido. Os exemplos a seguir são elucidatórios:

Na primeira carta a Timóteo diz: “em verdade grande é o mistério divino (rozo) da virtude, ele é revelado na carne, justificado no espírito, visto pelos anjos, pregado aos gentios, acreditado pelo mundo e recebido em grande glória”.(4)

Do mesmo modo escreveu aos romanos: “agora nós vos entregamos a Deus que vos confirmará no meu evangelho que é pregado em Jesus Cristo na revelação do mistério (rozo) que estava escondido desde o princípio do mundo”. (5)

Também aos coríntios ele escreve dizendo: “observai, eu vos conto um mistério (rozo) nem todos morreremos, mas seremos transformados”.(6)

E novamente aos romanos diz “Eu estou desejoso meus irmãos para que vocês conheçam este mistério (rozo)”.(7)

Finalmente quando discorre sobre a relação entre esposas e maridos na sua epístola aos efésios diz: “grande é este mistério (rozo), mas falo a respeito de Cristo e da sua Igreja”.(8)

Fica, portanto, claro que “MISTÉRIO ROZO”, em siríaco, tem um conceito mais profundo do que a palavra “ESCONDIDO” ou “SECRETO”.

Os padres siríacos, como São Paulo, distinguem entre “MISTÉRIO” e “SECRETO” nos seus ensinamentos. Hoje a palavra “ROZO” – “MISTÉRIO” – na terminologia da Igreja, significa um santo rito que produz uma graça invisível na alma da pessoa a que é ministrado e do qual ele ou ela recebe força espiritual, portanto, a palavra “ROZO” é usada para os dois sacramentos que não incluem ordenações proveitosas.

1.5. Cremos que todos os fiéis podem receber todos os sacramentos, exceto o do sacerdócio, que é ministrado apenas aos homens. Alguns dos sacramentos são ministrados uma única vez na vida, como o batismo, confirmação-crisma (santo óleo Muron) e sacerdócio. Os demais sacramentos podem ser ministrados mais de uma vez, como o casamento-matrimônio, e a unção dos doentes. Outros, como arrependimento-confissão, e a santa eucaristia, são continuamente ministrados até o último suspiro.

1.6. Consideramos os quatro sacramentos: batismo, crisma, confissão e santa eucaristia como essenciais à salvação humana. Os demais sacramentos: matrimônio, sacerdócio e unção dos enfermos não são essenciais à salvação.

1.7. Durante o rito do batismo o fiel recebe três sacramentos: batismo, crisma e santa eucaristia.

1.8. Na tradição da nossa Igreja, cremos no batismo da criança quando pequenina, e, portanto, não esperamos até que o fiel atinja uma certa idade antes de receber os sacramentos do batismo, crisma e santa eucaristia.

1.9. Os sacramentos ministrados uma única vez na vida, batismo, crisma e sacerdócio não devem ser repetidos. Isto é feito de acordo com os ensinamentos de São Paulo: “agora é Deus que vos confirmou conosco em Cristo e que nos indicou, ungiu e firmou seu espírito em nossos corações”.(9)

1.10. Em uma de suas cartas contra aqueles que diziam que os homens penitentes que se uniram ao Sínodo (Concílio) de Calcedônia (e anatematizando todos os que chamam o nosso único Senhor, Jesus Cristo, de duas naturezas depois da inefável união) e voltam à fé ortodoxa devem ser novamente ungidos, São Severius, escreve que os padres fizeram uma distinção quando falavam do batismo: “dizem aqueles que o que foi batizado em nome das três substâncias, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mesmo tendo sido batizado pelos heréticos, mas mesmo assim confesse as três substâncias, não deve ser rebatizado, mas, converso das outras heresias, certamente deve ser aperfeiçoado (NEXTALMUN) pelo batismo da Igreja. Esta opinião, os trezentos e dezoito padres reunidos em Nicéia seguiram e todos os que nutriram as Igrejas depois deles”.(10)

1.11. Na nossa tradição, para a conduta bem sucedida do ritual ou do sacramento, três elementos são necessários:
  1. A matéria - que é a água;
  2. A fórmula – são as palavras que o sacerdote profere durante o batismo: "Fulano é batizado para a santidade, a salvação, uma vida imaculada e para a abençoada ressurreição dos mortos na esperança da vida e o perdão dos pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
  3. O servo do sacramento - que é o sacerdote que está canonicamente autorizado como está escrito nos Atos dos Apóstolos: “depois de jejuarem e orarem e imposto as mãos sobre eles, eles os enviaram”.(12)
  4. A Igreja autorizou uma exceção na ausência do sacerdote: os diáconos são autorizados a batizar apenas as crianças muito doentes.
Nota: questiona-se, no ocidente, se não seria a "intenção" um quarto elemento necessário. Dentro da espiritualidade siríaca ortodoxa, contudo, é impensável que um sacerdote não tenha a intenção de "fazer o que está fazendo" na hora de celebrar o sacramento, pois essa compreensão está implícita no elemento 3 - o sacerdote - pela sua obviedade.


2 – A LITURGIA DOS SACRAMENTOS:

2.1. A liturgia siríaca atravessou diversos estágios de aperfeiçoamento até chegar à forma presente. Conforme a tradição da ISOA, a Igreja Cristã Primitiva iniciou-se com hinos e os fiéis cristãos cantavam “a glorificação da Virgem Maria” de Isabel (13), a mãe de São João Batista, ou o canto de exaltação da “profecia de Zacarias” (15), a exaltação dos anjos após o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo: “glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” (16), como, também, as palavras de gratidão de Simão e Ana (17)*.

Nota do tradutor: Não há dúvida que estes cantos podem ter sido praticados pelos primeiros cristãos, mas, a Oração Celestial – Pai nosso – era o ponto alto da assembleia logo depois de abençoar e partir o pão e abençoar o vinho, transformando-os no verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se olharmos para o lado das comunidades judaicas que adotaram o cristianismo, é notório e sabido que não abandonaram suas tradições de imediato, portanto, a prática dos salmos e das leituras das escrituras sagrada ou (velho testamento) persistiu formando a base do que conhecemos como a liturgia da palavra. Já nas comunidades dos gentios, que se tornarão o grande esteio do cristianismo principalmente na atual região da Síria, Líbano, Turquia e Iraque, vemos que desde os primórdios do cristianismo existem exemplos de organização cerimonial, com Santo Inácio, o Iluminador, primeiro sucessor de São Pedro, o Apóstolo, na Cátedra de Antioquia, organizando corais nos altares das Igrejas, e podemos concluir que vários hinos das seitas não cristãs foram adotados com novas letras no cristianismo. Infelizmente, com a corrida da valorização espiritual proposta por Nosso Senhor Jesus Cristo, os primeiros organizadores da ISOA não nos deixaram muitos registros históricos deste o início da história, e muita coisa dela se sabe por referencia. Não há dúvida que a grande escola propagadora do cristianismo foi a ISOA com seus missionários, que se espalharam por todo o mundo antigo conhecido. Eles, melhor do que ninguém, compreenderam a verdadeira mensagem de Cristo, pois, falavam sua língua, o aramaico, enquanto os judeus achavam que chamava por Elias na cruz! São os chamados gentios da Província Romana, chamada Siríaca, que aceitaram-no primeiramente como seu Salvador e Filho de Deus!

Desta forma entendemos as palavras dos Atos dos Apóstolos: “quando o dia do Pentecostes se cumpriu, enquanto estavam juntos reunidos…” (18) assim como “pois todos os homens glorificavam a Deus pelo que acontecera” (19) e a advertência de São Paulo aos fiéis na carta aos efésios: “falando às suas almas em salmos, hinos e cantos espirituais, cantem com seus corações ao Senhor” e aos colossenses: “deixem a palavra habitar em vós abundantemente em toda sabedoria, ensinamento e exortando-vos uns aos outros em salmos, hinos e cantos espirituais, cantando com graças a Deus em seus corações”.(21) Estas palavras de oração, exaltação e gratidão tornaram-se a pedra fundamental da formação e do desenvolvimento da liturgia que é usada até hoje na ISOA.

2.2. Até o século IX d.C., os livros litúrgicos usados eram às vezes sucintos, outras vezes outras vezes mais extensos. Entre os nossos diversos estudiosos que revisavam muitas das nossas orações e livros de liturgia até o século XIII são:

São Tiago de Edessa (+708) (Mor Yacoub d’Urhoi) que revisou o livro das orações diárias (Xhimo) e o livro das orações vesperais e matutinas dos sábados e domingos (Fankitho), o livro das festas maiores (M’hadhedono) e os livros dos ritos do batismo, matrimônio, a benção das águas na epifania, exéquias ou funerais dos bispos, sacerdotes e leigos (homens, mulheres e crianças).São Tiago escreveu também, sobre o batismo na Igreja, a santificação dos Santos Óleos da Crisma (Muron) com destaque especial para a diferença entre o Santo Óleo da Crisma e o Santo Óleo da Unção.

Outro estudioso é São Yohaness (Mar Yauanis), bispo metropolita de Dara (+860) que dedicou um capítulo do seu livro de teologia aos sacramentos do batismo, crisma e santa eucaristia.

Da mesma forma, Mor Muxe Bar Kifo (Moisés o filho da Rocha) (+903) compôs um estudo de 24 capítulos sobre os sacramentos da Igreja concentrando-se no batismo, eucaristia e o óleo da crisma, dedicando, também, um tratado detalhado sobre a ordenação dos diáconos, sacerdotes e bispos.

Outros estudiosos dedicaram-se aos mesmos assuntos até o século XIII.

2.3. Hoje usamos diferentes ritos no batismo para o sexo masculino e feminino, sem diferenciação de idade. Este rito inclui o sacramento da confirmação-crisma, e isto ocorre quando o sacerdote eleva o vaso do “Muron” – óleo santo da crisma sobra às águas, de forma reverente com o sinal da cruz dizendo: “a água Vos Vê, Ó Deus, as águas Vos viram e amedrontaram-se. A voz do Senhor está sobre as águas; o glorioso Deus trovejou. Deus está sobre as águas” (hzauk mor maio aloho…), então o sacerdote despeja o santo Muron nas águas em sinal de cruz dizendo: “despejamos o Santo Muron nestas águas do batismo para as benesses da regeneração e incorruptibilidade em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.(23)

Em seguida o padre umedece seu polegar direito com o santo óleo da unção diretamente do vaso do óleo da unção e unge a testa da criança e, a cada invocação, faz o sinal da cruz dizendo: “fulano(a) é ungido(a) com o óleo da alegria para que possa enfrentar as tentações demoníacas e possa ser enxertada na oliveira cultivada na Sua Santa Igreja, Católica e Apostólica em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.(24)**

Veja os cânones e instruções do NOMOCANON (HUDOYO) e outros cânones eclesiásticos anexos e em prática na ISOA no livro do Sacramento do Batismo de acordo com rito da ISAO.

Nota do tradutor: todas as igrejas basilares usavam o termo “católica” desde os primórdios do cristianismo, entendendo-se tratar de igreja universal. O termo aparece na confissão de fé – Credo – e continua sendo usado até hoje, deve, no entanto cada igreja basilar usar o termo de forma compreensível sem provocar confusão.

2.4. Devemos observar que na ISOA existe um rito especial requintado para a santificação do santo óleo da crisma – Muron. No princípio incluía-se esta benção na jurisdição dos bispos, mais tarde esta autoridade ficou restrita exclusivamente à pessoa do Patriarca.

2.5. O rito da santificação do santo óleo usado para a unção dos enfermos está na jurisdição e autoridade dos bispos. Este sacramento é ministrado pelos padres para os fiéis de ambos os sexos sem restrição de idade.

2.6. O RITO DO ARREPENDIMENTO consiste em expressões específicas ditas pelo sacerdote à pessoa que confessa, antes, durante e após a confissão dos pecados; confissão esta que só deve ocorrer diante do sacerdote. Estas expressões ou palavras consistem basicamente de versículos do novo testamento e ensinamentos dos santos padres. O arrependimento é alcançado através da vontade da pessoa especialmente quando diz: "eu estou verdadeiramente arrependido e grande é o meu remorso por todos os pecados que cometi, e, estou decidido a não trilhar novamente os caminhos perversos do pecado; aceita ó Senhor minha confissão e contempla-me com a Vossa graça para que possa escolher a morte ao invés de deshonrar-Vos”. (25)

2.7. O RITO DO MATRIMÔNIO foi muito bem revisado na nossa tradição. Usamos orações e bênçãos especiais para o caso das virgens ou das viúvas. Atualmente existem orações adaptadas para o caso de algum dos esponsais estar no seu terceiro matrimônio.

Veja também os cânones e as instruções anexas.

2.8. O SACRAMENTO DO SACERDÓCIO é ministrado só para os homens e uma única vez na vida. O ritual deste sacramento inicia-se com um curto sermão para os diáconos e um mais extenso para os sacerdotes. Hoje temos o Rito de Consagração dos diáconos (cantor – Mzamrono, leitor – Koruio, subdiácono – Fediacono, diácono evangelista – Euengueloio, arquidiácono – Arkediacon), o Rito dos sacerdotes (celibatários e casados), dos bispos (bispos, catholikós-Maferiono) e Patriarca.

Nota do tradutor: Para maiores detalhes sobre o sacerdócio na ISOA veja neste site sob o título “O Sacerdócio na Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia”.

2.9. Com relação ao sacramento da Santa Eucaristia, de acordo com a tradição da ISOA, a origem da liturgia volta-se para São Tiago (Mor Yacoub), primeiro bispo de Jerusalém. Esta liturgia hoje chamada de “ANAFURA” incorreu em algumas alterações e acréscimos no decorrer do tempo. O uso da liturgia de São Tiago como a conhecemos hoje se iniciou antes do século IV. (26)

Nota do tradutor: A liturgia de São Tiago foi usada ininterruptamente pela Igreja, pois, a liturgia propriamente dita é a fórmula que Nosso Senhor Jesus Cristo utilizou para a transformação do pão e do vinho no seu corpo e sangue, ministrando-O aos fiéis para a salvação de todos que nEle crêem. Os acréscimos havidos à liturgia básica são a aparte inicial ou invocações da intercessão da Virgem Maria e de todos os santos, a exaltação à segunda pessoa da Santíssima Trindade, o Filho, e, a liturgia da palavra que são as leituras do velho testamento, dos atos dos apóstolos, das epístolas culminando com a leitura do Evangelho pelo sacerdote oficiante seguido do sermão e da súplica ou razões da oferenda. Acrescentou-se após o Concílio de Nicéia a confissão de fé ou credo (creio em Deus Pai…) só a partir daí tem início a liturgia propriamente dita de São Tiago, com o ósculo santo, e a invocação do Espírito Santo sobre os elementos. Segue a oração de benção, santificação e transformação dos elementos, o pão e o vinho misturado à água no corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e a descida do Espírito Santo completando o ato de transubstanciação (epiclesis). Os dípticos em número de seis dedicados aos patriarcas, irmãos fiéis, reis, santos, santos padres e fiéis falecidos seguramente devem ter sido acrescidos a partir do século IV. Após os dípticos segue a elevação dos mistérios e a comunhão do celebrante, dos diáconos e dos fiéis terminando com uma benção final ou de despedida que seguramente faziam parte da liturgia original de São Tiago. Atualmente o sermão tem lugar logo após a elevação dos mistérios e antes da comunhão.

Algumas informações bastante antigas sobre a liturgia podem ser encontradas nos escritos de Santo Efrem o Siríaco (+373), São Tiago de Srug (+521) e diversos outros estudiosos e poetas das duas escolas de Nsebin e Edessa.

A maior parte da liturgia de São Tiago na forma atual como a conhecemos foi compilada e revisada por São Tiago de Edessa (+708), com algumas modificações menores nos séculos XII e XIII. Outras alterações mínimas e padronizações formatam os atuais missais litúrgicos pela primeira vez impressos com instruções e autorização dos patriarcas antes da virada do século XX. Como fato consumado o Patriarca Afrem Barsoum compilou no ano de 1943 uma lista de oitenta “anáforas” ou liturgias, em uso na nossa Igreja.

Nota do tradutor: historiadores da segunda metade do século XX afirmavam existir oitenta e quatro diferentes liturgias em uso até o século XIX.

No mais, é importante elucidar que não existe nenhum estudo acadêmico ou pesquisa em qualquer instituição oriental ou ocidental que trace as origens da liturgia na nossa Igreja durante os quatro primeiros séculos do cristianismo. Maiores análises destes manuscritos que sobreviveram podem nos dar uma nítida imagem das suas origens e sucessivo desenvolvimento.

Nota do tradutor: Ibrahim Gabriel Sowmy (*1913 +1996) historiador em sua obra “Cultura dos Povos assírio-arameus” traça um paralelo a exemplo de São Paulo entre o sacerdócio de Melquisedec e de Nosso Senhor Jesus Cristo detalhando inclusive o uso de cerimônias e cantos, mostrando efetivamente que a verdadeira origem da liturgia das chamadas igrejas siríacas cristãs tem sua base nos rituais das antigas comunidades siríacas. Apesar do desinteresse dos estudiosos ocidentais de aprofundar-se neste campo o que se vê é um interesse proposital de vincular o cristianismo ao judaísmo quando este último abertamente o repudiou e repudia.

3. CONCLUSÃO

Para concluir, quero aqui mencionar a questão do número dos sacramentos na nossa tradição, assunto este não muito claro até para nós. Em verdade não distinguimos entre sacramento e "semi-sacramento". Nossos padres só citam sacramentos essenciais à salvação e aqueles que não são essenciais. Alguns estudiosos acreditam que o número sete simboliza as sete graças do Espírito Santo citados em Isaías: “e Ele estará em paz, e o Espírito de Deus estará nele, o espírito da sabedoria, da compreensão, o espírito do aconselhamento e poder, o espírito do conhecimento e da reverência ao Senhor”. (27)

Até o século XIV, no Sínodo da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia, fixou-se especificamente o número dos sacramentos em sete.

Posso citar dois exemplos: um testemunho anterior ao século X foi o bispo Jorge, de quem já falamos, no seu livro “Uma Exposição sobre os Mistérios da Igreja” no qual ele começa com as seguintes palavras: o único, pois, dos mistérios dos cristãos é a fé verdadeira” (28), depois discorreu sobre o batismo, a crisma e a santa eucaristia.

Outra referencia anterior ao século XIV é Bar Hebroyo (Bar Hebraeus + 1286). No seu livro “Candelabro do Santuário” – Mnorath Kudxo, fala do sacerdócio, o santo óleo da crisma – Morun, eucaristia, jejuns e orações comemorativas, funerais e matrimônio.

Isso prova que até os dias de Bar Hebraeus (+1286) a ISOA não citava os sacramentos como sendo sete. Não há dúvidas que a Igreja usava todos os sacramentos, mas até o final do século XIII não podemos afirmar que a Igreja reconhecia os sacramentos como sete como nos dias de hoje. No entanto, nas fontes teológicas a palavra “ROZO” – mistério – sempre se refere à Santíssima Trindade – “ROZO DATLITHOIUTHO” – Mistério da Santíssima Trindade – e, como “ROZO D´METBARNOXUTHO” – O Mistério da Encarnação.

Concluímos citando o artigo 146 da Constituição da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia: “é uma das dádivas de Deus a Igreja dando-lhe os sete sacramentos quais sejam o Batismo, a Crisma, o Arrependimento e consequente confissão, a Eucaristia, o Matrimonio, o Sacerdócio e a Unção dos Enfermos. Portanto os bispos e padres orientam os fiéis à prática necessária dos santos sacramentos e encorajá-los à unção dos enfermos sempre que necessário”.(29)

Notas do Autor:

(1) Codrington, H.W., and Connlly, R.H, Two comentaries on the Jacobite Liturgy (1913), p11.
(2) João 11: 28
(3) Marcos 4:11
(4) I Timóteo 3:16
(5) Romanos 16: 25
(6) I Coríntios 15: 51
(7) Romanos 11: 25
(8) Efésios 5: 32
(9) II Coríntios 1: 21-22
(10) ,hcxointnA fo hcrairtaP, sureveS fo retteL, tceleS eht fo koob htxiS ehT ,hcointnA fo hcraitaP soireveS raM – Traduzido por E.W.Brooks (Oxford 1903), II, pp294,297.
(11) The Sacramorf detalsnart, hcointA fo hcruhC xodohtro nairyS ht fo etiR tneicnA eht ot gnidrocca msitpab fo tnem the original Syriac (1974), p.70.
(12) Atos 3:13
(13) Lucas 1: 46-55
(14) Lucas 1: 42-45
(15) Lucas 68-79
(16) Lucas 2:14 e 29-32
(17) Atos 4: 34
(18) Atos 4: 34
(19) Lucas 2: 29-32
(20) Atos 4: 21
(21) Efésios 5: 19-20 e Colossenses 3: 16
(22) M´Hadhedono – Livro dos Ritos Antigos das datas comemorativas da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia, traduzido do siríaco para o inglês pelo Arquidiácono Murad Saliba Barsom, edição 1984 Líbano.
(23) O Sacramento do Batismo de acordo com o Rito da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia traduzido do siríaco para o inglês pelo Arquidiácono Murad Saliba Barsom, edição 1974, p.4.
(24) O Sacramento do Batismo… p. 50
(25) Mar Ignatius Ephrem Barsoum, The Spiritual Treasure on Canonical Prayer (1956), tradução para o inglês 1999, p. 129.
(26) Anaphorae Syriacae, II.2, Anaphora Sacti Iacobi, edição e tradução Odilo Heiming, Roma 1952.
(27) Isaías 11: 2
(28) Codrington, H.W., and Conolly, R.H, Two Commentaries on the Jacobite Liturgy (Oxford 1913), p.11.
(29) Constituição da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia, artigo 146.

Bibliografia:

1 – Os versos do Livro Sagrado, a Bíblia, citados são da versão da “Sagrada Bíblia, George M. Lamsa – traduções do texto Aramaico da Peshita, 1957”;

2 – Two Commentaries on the Jacobite Liturgy; trans. Dom. R.H. Connolly, and H.W. Codrington, Oxford 1913. (Dois comentários sobre a liturgia jacobita);

3 – Mar Severius Patriarca de Antioquia, The Sixth book of the Select Letter of Severus, Patriarch of Antioch, tradução E.W. Brooks, Oxford 1903, Vol II (O Sexto livro da Carta Escolhida de Severius, Patriarca de Antioquia);

4 – Mar Ignatius Ephrem Barsoum, The Spiritual Treasure on Canonical Prayer, 1956, traduzido do siríaco e árabe para o ingles, 1999. (O Tesouro Espiritual das Orações Canônicas);

5 – Mar Ignatius Ephrem Barsoum, History of Syriac Sciences and Literature – Syriac Patrimony, Quinta edição 1987, traduzido para o ingles por M. Moossa, Pueblo 2000. (História das ciências e literatura siríacas – patrimônio siríaco);

6 – C. Moss Catalogue of Syriac Printed Books and Related Literature no Museu Britânico, Londres 1962 (Catálogo dos livros siríacos impressos e literatura afim);

7 – Bar Hebraeus, The Candelabra of Sanctuary -Mnorath Kudxo, impressão árabe 1996 (O Candelabro do Santuário);

8 – Anaphorae Syriacae II.2, Anaphora Sancti Iacobi, Fratris Domini, edição e tradução Odilo Heiming – Roma 1952;

9 – The Sacrament of Baptism according to the Ancient Rite of the Syrian Orthodox Church of Antioch, 1974, traduzido do siríaco para o ingles, pelo Arquidiacono Murad Saliba Barsoum. (O Sacramento do Batismo segundo o antigo rito da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia);

10 – The Order of Solemnization of the Sacrament of Matrimony according to the Ancient Rite of the Syrian Orthodox Church of Antioch, 1974, traduzido do siríaco para o ingles pelo Arquidiácono Murad Saliba Barsoum. (A Ordem Solene do Sacramento do Matrimonio segundo o antigo rito da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia);

11 – M’hadhedono, Ancient Rite of the Syrian Orthodox Church of Antioch, 1984, traduzido do siríaco para o inglês pelo Arquidiacono Murad Saliba Barsoum. (Livro dos Ritos Antigos das datas comemorativas da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia).
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