ÉDITO PATRIARCAL PARA O GRANDE JEJUM (QUARESMA) DE 2024.


Em nome do autoexistente, sempiterno, de necessária existência, O Todo-poderoso,
Inácio Efrém II
Patriarca da Santa Sé de Antioquia e de todo o Oriente
Sumo Pontífice da Igreja Siríaca Ortodoxa em todo o mundo.
Estendemos nossas bençãos apostólicas, ações benevolentes e cumprimentos aos nossos irmãos, Sua Beatitude Mor Baselios Thomas I, Catholikós (Maferiono) da Índia, Suas Eminências os Arcebispos, nosso filhos espirituais, os respeitáveis corepíscopos, reverendos padres, monges, freiras, diáconos e a todo o abençoado povo siríaco ortodoxo em todo o mundo. A Divina Providência os envolva através da intercessão da Virgem Maria, Mãe de Deus, São Pedro o líder dos apóstolos e todos os mártires e santos, Amém.
“Vós sereis minhas testemunhas” (Atos 1:8)
Amados em Cristo,
Dar testemunho ou evangelizar é o mandamento de nosso Senhor Jesus.
Os eventos relatados no Livro dos Atos começam com a ascensão de nosso Senhor Jesus ao céu. Ele pavimentou o caminho para seus discípulos testemunharem, pregarem o Evangelho e levarem adiante o trabalho apostólico a que a Santa Igreja foi chamada.
Eles foram encarregados de testemunhar a Cristo depois da crucificação e ressurreição, consoante seu mandamentos: “Vocês receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vós e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria até o fim do mundo” (Atos 1: 18). Seguindo Seu mandamento, depois da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, começaram a pregar. Embarcaram na evangelização dando testemunho de Cristo em todos os cantos da terra partindo de Jerusalém através de Antioquia, onde foram chamados de cristãos pela primeira vez. (Atos 11: 26)
A Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia desempenhou sempre um papel importante na divulgação da mensagem evangélica. Os Santos Padres da Igreja tiveram um papel decisivo na divulgação da fé cristã ortodoxa nas regiões sob jurisdição e cuidados da Cátedra Antioquina alcançando o Oriente Extremo.
Entre estes padres estava São Jorge, bispo para os árabes. Dedicamos este ano a comemorar o décimo terceiro centenário da sua partida de forma a honrar seu zelo apostólico. São Jorge teve uma participação crucial na divulgação da fé cristã entre as tribos árabes no sul do Iraque na península arábica, fortalecendo os fiéis a permanecer firmes na salvação trazida por nosso Senhor Jesus Cristo.

Ícone de São Jorge, bispo dos árabes

A Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia - testemunha nas terras árabes e outros países chegando até a China.
Desde o primórdios do cristianismo a Igreja não se intimidou com as perseguições, ao contrário, tomou força do Espírito Santo que operava no seu meio. O Espírito conduziu a Igreja a manter o testemunho da verdade independente da força dos seus perseguidores, assim como os desafios e as dificuldades resultantes destas perseguições. A Igreja emerge como testemunha e mártir de Cristo, portando a Luz da mensagem evangélica a todas as nações do mundo que caminhavam na escuridão do mundo e habitando a terra da sombra da morte. (Isaías 9: 2). Ela torna a Salvação viável batizando em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. (Mateus 28: 19).
As terras árabes estavam geograficamente sob a jurisdição da cátedra apostólica antioquina, assim, os veneráveis padres da Igreja tomaram para si a missão de divulgar a Boa Nova do Reino nestas regiões. Ensinaram ao povo os princípios da fé ortodoxa e, como resultado, muitas tribos árabes aceitaram a fé e viveram consoante a ortodoxia da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia. Entre os povos e tribos árabes estavam os hamaritas, as tribos do Catar, o Tahlibitas, os Banu Kindafi, os Bani Tayy, os Uqais, os Tanhukh, os Gassanitas, os Nanir, os Banu Shaibani (Thlahab) e os Banu Bakr ibn Wa´il em Diyar Bakir bem como os Lakhmidas (al Manãdhirak) e outros.
A Igreja passou a organizar os assuntos pastorais destes árabes depois de abraçarem a fé cristã. Estabeleceu diversos episcopados para administrá-los e estes episcopados tiveram papel importante na história da Igreja. As cidades de Najran e Al Yamamah tinham cada uma um episcopado em 225 d.C.. Seis dos bispos estiveram presentes no Concílio de Nicéia em 325 d.C.. Entre os bispos de Najran estava Quss ibn Saidah (+600 d.C.), eloquente pregador e homem sábio que iria para Suk´Ikaz e corajosamente pregaria Cristo contra as crenças pagãs segurando um cajado em sua mão.
Depois do quarto século a Igreja menciona diversos episcopados em países árabes. Entre eles estão Tudmor (Palmira), Jadr Am Qais, Basra, Petra e Al Hira. Cada tribo tinha seu próprio bispo e às vezes mais de um. Eram chamados de bispos das tendas porque acompanhavam as tribos árabes (nômades) nas suas andanças e viagens, praticando as orações e os trabalhos litúrgicos sob tendas. Dois importantes episcopados árabes eram: primeiro o bispado geral no qual um dos seus bispos proeminentes foi São Jorge, conhecido como o bispo dos árabes, e o segundo era o bispado de Ughlabile. Ainda outro, o reino Gassanita centrado em Jabiyah (Hauran, Síria) que supervisionava 120 mosteiros no sexto século.
Um dos seus notáveis bispos foi São Teodoro o Zeloso, que fora consagrado bispo para os árabes com São Jacó Baradeu. O centro do seu episcopado foi em Bosra na Síria.
O cuidado especial dos Padres Siríacos e a força do trabalho missionário da Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia nas terras árabes era evidente pelos esforços nas traduções dos intelectuais cristãos árabes das tribos Tayy, Ugayl e Tanukh. Por ordem do patriarca João de Sedras de Antioquia, o Evangelho foi traduzido do siríaco para o árabe em 643 d.C..
O impacto do testemunho de Cristo e dos esforços evangelísticos da Igreja Siríaca se estendeu não apenas às regiões próximas de Antioquia, como as terras árabes, mas também a outros países como a Pérsia (Irã), Afeganistão, Índia, China, Armênia, Etiópia, Ásia Menor e outras terras do Extremo Oriente. Nossa Igreja na Índia é um grande exemplo. Ela persiste como fruto do zelo apostólico dos padres da nossa Igreja e seu testemunho de Jesus. É verdadeiramente a jóia e honra da Santa Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia.
“A Testemunha fiel”, Jorge, o bispo para os árabes (+724 d.C.).
A história da Igreja não nos provê com muitas informações da vida deste erudito e venerável santo, Jorge, bispo para os árabes. Ele foi um dos discípulos da Escola Teológica de Kenexrin” (Ninho das Águias). Na sua juventude foi aluno de São Severo de Sabug, pouco antes de este morrer. Jorge era bem versado na Palavra Divina, um trabalhador dedicado à filosofia, um exegeta das Sagradas Escrituras e se destacou como crítico proeminente e escritor ilustre tanto na prosa como na poesia. Seu conhecimento abrangeu várias áreas do conhecimento da época como linguística siríaca, filosofia, astronomia, teologia e história.
Recebeu o Eskimo (capuz monástico) e trilhou o caminho monacal com temor e amor a Deus. Levou uma vida ascética e de renúncia. Assim a Divina Providência o escolheu para padre e depois bispo para os árabes das tribos Tayy, Ugai e Tanukh. Sua sede episcopal era Aqula, atual Kufa no Iraque. De lá pastoreou sua diocese em pureza, sabedoria e virtude por trinta e oito anos. São Jorge já um venerável ancião, deve ter partido para as moradas celestiais em 724 d.C. depois de uma vida dedicada ao testemunho de Cristo; proclamando Seu nome, ensinando Sua Palavra Sagrada, confirmando e fortalecendo seu rebanho das tribos árabes em Cristo, Jesus, a quem glorificamos.
O mártir santo Harith ibn Káb e todos os mártires siríacos ortodoxos Hamyari registram o heroísmo e martírio dos que foram perseguidos por sua fé em Cristo em Saba e nas terras árabes Hamyari no Iémen. Naquele tempo o “Judeu” conhecido em siríaco como “Masruq” e em árabe como “Dhu Nuwas” controlou estas terras em 523 d.C.. Conduziu suas forças a Dhofar, a capital das terras Hamyari combatendo as tribos etíopes habitantes da região. Vendo que não conseguiria vencê-los, trapaceou para que se entregassem. Enviou mensagens garantindo segurança e estes foram ao seu encontro de forma pacífica, no entanto, ele os traiu matando a todos. Queimou ainda a sua igreja e mandou sacerdotes judeus acompanhar seu exército às terras sob sua autoridade para matar os cristãos onde fossem encontrados a não ser que negassem sua fé em Cristo e se convertessem ao Judaísmo. Ordenou ainda que queimasse qualquer um que protegesse cristãos em sua casa e mandou confiscar todos os seus pertences.
Não satisfeito com isso, despachou seu exército a Najran cercando a cidade. Quando falhou na captura a força, mandou sacerdotes judeus com as forças armadas portando a “Torá” de Moisés e uma mensagem com seu selo real garantindo-lhes que não seriam prejudicados se rendessem a cidade voluntariamente. O povo de Najran confiou na mensagem e saiu ao seu encontro, porém, ele quebrou a promessa, mandou seus soldados prendê-los e em seguida mandou judeus e pagãos prender todos os cristãos da cidade.
Um dos defensores da fé na cidade de Najran foi Harith ibn Káb. Era um líder do povo e um dos nobres fiéis. Apesar da opressão das ordens do rei, como venerável ancião, recusou-se a negar Cristo. Corajosamente professou abertamente sua fé ortodoxa. Diante do seu povo declarou sua firmeza na fé buscando com alegria a coroa do martírio. Repetiu as palavras de São Paulo apóstolo: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação ou angústia, perseguição, fome ou nudez, ou perigo e espada?” (Romanos 8: 35). E se juntou àqueles que estavam com ele recebendo a coroa do martírio. O rei tirano judeu ordenou que se queimassem as igrejas com todos os fiéis que estavam dentro. Quando as mulheres de Najran e seus filhos viram as chamas consumindo as igrejas, correram para as edificações incendiadas partilhando ansiosamente o martírio com os homens. Aproximadamente duas mil pessoas foram acorrentadas e trazidas para o interior das igrejas. As igrejas foram cercadas com lenha e acesas, consumiu-se tudo e todos que estavam dentro. Posteriormente este rei implacável cavou uma grande cova onde jogou os corpos dos santos mártires e queimou o que ainda restava das cinzas. Os historiadores árabes imortalizaram este evento como o “Povo do Fosso” (Alshabul Ukhdud).
No início do Grande Jejum (Quaresma), período no qual contemplamos a força da evangelização, do testemunho de Cristo e do martírio pelo Seu Santo nome, é uma oportunidade para todos nós nos lembrarmos da nossa responsabilidade como testemunhas do nosso Senhor Jesus em meio à turbulência e as mudanças experimentais do nosso mundo – onde a fé é enfraquecida, o ateísmo se espalha e as batalhas espirituais são travadas.
Convidamos todos a serem testemunhas de Cristo navegando neste mundo cheio de perseguições e desafios significativos à fé como convém ao teu Evangelho. “Filipenses 1: 27). Encorajamos todos a refletir sobre a vida dos mártires, dos campeões da fé e dos santos que passaram suas vidas no amor por nosso Senhor Jesus imitando-os e intercedendo por eles (Hebreus 13: 7).
Deus aceite o vosso jejum, arrependimento, orações e esmolas. Que Ele prepare todos nós para nos alegrarmos na Sua ressurreição por intercessão de Santa Maria, a Virgem Mãe de Deus, São Pedro, o líder dos apóstolos, de São Jorge o bispo dos árabes, do Santo mártir Harith ibn Káb e todos os demais mártires e santos, e Pai nosso....

Emitido em nosso patriarcado, Damasco, Síria
Aos 13 de março de 2024
Décimo Ano do nosso Patriarcado
Tradução de Aniss Ibrahim Sowmy
14 de março de 2024
Foto: S.S. Moran Mor Inácio Efrém II
Ícone: São Jorge bispo dos árabes.
Correções e adaptações: Comunicação ISOA
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