Por padre Pablo Neves
Ainda que alguns teólogos e historiadores tentem estabelecer uma data que marque o início do que atualmente compreendemos e chamamos de “diálogo ecumênico”, o fato é que, antes de ser um movimento de convergência de discursos e atitudes que conduzem cristãos e instituições a encontrar pontos comuns de entendimento e interesse, em especial a paz e o testemunho de amor na aclamada “pós-modernidade”, o movimento ecumênico foi encabeçado, direta ou indiretamente, muitas vezes sem muito sucesso, por diversas figuras na história, na tentativa de sarar feridas e reatar laços desfeitos pelos homens, nem sempre, ao bem da verdade, por motivos de fé ou amor ao Reino de Deus.
O ecumenismo, frise-se, como é entendido hoje, chega a dar calafrios em muitos setores e grupos da pluralidade cristã. É tratado por muitos, juntamente com o modernismo, como a heresia do terceiro milênio, por muitas vezes se divulgar em experiências duvidosas de relativização de ordem doutrinal, filosófica ou até celebrativa, promovendo discursos e cenas que revelam uma ideia compartilhada (ainda que velada) de “pan-religião”, onde tudo é bem-vindo em prol de uma imagem desconstruída de um cristianismo indo-europeu, medieval, proselitista, segregador e opressor, mesmo que, sabidamente, verdades não negociáveis de cada confissão cristã sejam, ainda que temporariamente, tiradas de foco enquanto os holofotes da mídia cobrem o nascimento de um novo – e simpático – cristianismo moderno.
É importante ressaltar que a palavra grega “oikouméne”, que origina o termo “ecumênico”, foi utilizada desde o século IV não para designar grupos separados, conflitantes ou concorrentes, mas para reunir a Igreja em todo mundo habitado, especialmente nos concílios (por isso o termo “Concílio Ecumênico”, ou seja, conselho/assembleia de bispos e padres representantes das igrejas por todo mundo – no caso, o Império Romano à época) compreendendo-a como uma Igreja formada por igrejas - unidade na diversidade - ou seja, ecumênico, por origem, é aquele que compreende o outro não como outra coisa, mas como a mesma coisa, porém, em outro lugar.
Assim, podemos dizer que o movimento ecumênico de hoje, por razões óbvias, já não reflete a ideia que originou seu termo, mas um outro movimento, onde na verdade transitam as consequências de cismas, predominantemente, ainda que não exclusivamente, políticos e até culturais, maquiados muitas vezes de proteção à ortodoxia e pureza cristã. Ser ecumênico hoje é, antes de tudo, admitir que a separação é um fato, humanamente falando, praticamente irreversível, cuja diversidade de motivadores foram muitas vezes enraizados por séculos, tornando determinados pontos de separação verdadeiros constituintes viscerais das comunidades, fazendo que tentativas de atos concretos, como declarações comuns de reconhecimento mútuo e cooperação, ainda que realizados e assinados por autoridades eclesiásticas Papas, Patriarcas e Bispos, não consigam avançar em resultados visíveis e palpáveis.
O ecumenismo é hoje, então, um exercício de encontro, que cura feridas não necessariamente através da concordância e entendimento recíproco, mas sim através do perdão. Qualquer tentativa de diálogo que não priorize o perdão como carro chefe de sua existência está fadada a converter-se numa espécie de mídia ilustrativa de árvores secas, que frutos bons nenhum produzem, a não ser pseudo-experiências que tem o homem como centro das atenções da Igreja, colocando a Verdade – portanto Deus – em segundo plano. O perdão não funciona a partir de uma máquina do tempo que reverte o passado naquilo que, individualmente, um ou outro grupo compreenda como o que teria sido melhor, mas como a admissão de um cristianismo que precisa conviver com as consequências de ter muitas vezes tirado Cristo do centro de suas vidas, convivendo com essas consequências, mas não em função delas, e nem transformando-as em pedestais de superioridade que considerem o outro/diferente como um inimigo a ser combatido e, se não convertido, justificadamente destruído.
O perdão é a porta de entrada para que o Espírito Santo verdadeiramente possa agir, unindo e reunindo, curando e reatando, neste ou no outro mundo, sem relativismos ou meros discursos midiáticos, ofertando o outro a Deus e trabalhando pela paz, mesmo com as diferenças conflitantes, pois só em Deus é que encontraremos a verdadeira unidade com aquilo para qual fomos inicialmente criados. O encontro, portanto, antes de ser com o outro, é com o Cristo e a partir de Cristo, que não nos prometeu um mundo que foi, mas que virá. Temos responsabilidade para com as falhas do passado, arcando com suas consequências, mas não confundindo “responsabilidade” com compromisso com a perpetuação do ódio ou da indiferença. Fica, portanto, a pergunta: o que de bom os cismas produziram?