Cristologia
Declaração Conjunta feita pela
Comissão Oriental Ortodoxa-Anglicana Internacional
Santa Sé de Etchmiadzin, Armênia
5–10 de novembro de 2002
Revisado
Cairo, Egito
13–17 de outubro de 2014
Tradução: pe. Pablo Neves
Em 1990, o segundo Fórum de representantes das Igrejas Orientais Ortodoxas e das Igrejas da Comunhão Anglicana, reunido no Mosteiro de São Bishoy em Wadi el Natroun, Egito, conseguiu produzir a seguinte declaração:
Deus, conforme revelado na vida, ensino, paixão, morte, ressurreição e ascensão de Jesus Cristo, chama Seu povo à união com Ele mesmo. Vivendo pelo Espírito Santo, Seu próprio povo recebeu autoridade para proclamar esta Boa Nova a toda a criação.
O Fórum também foi capaz de sugerir que um acordo sobre Cristologia entre os Orientais Ortodoxos e a Comunhão Anglicana era agora possível, tomando nota do trabalho teológico detalhado feito por representantes das duas famílias da Ortodoxia entre 1964 e 1971 resultando nas Declarações de Acordo de 1989 e 1990, o trabalho realizado nas consultas não oficiais Pró-Oriente, e da história da convergência na cristologia entre as Igrejas da Comunhão Anglicana e as Igrejas Orientais Ortodoxas. A isso deve agora ser adicionada a Declaração do Acordo sobre Cristologia do Diálogo Oriental Ortodoxo - Reformado (Driebergen, Holanda, 13 de setembro de 1994).
Nossa primeira reunião como Comissão Internacional Oriental Ortodoxa - Anglicano foi realizada na Santa Sé de Etchmiadzin, Armênia, de 5 a 10 de novembro de 2002, após a reunião do Comitê Preparatório em Midhurst, Inglaterra, de 27 a 30 de julho de 2001. Produziu-se então uma Declaração Conjunta sobre Cristologia. Este texto foi enviado às Igrejas participantes após esta reunião e novamente após a segunda reunião da Comissão realizada em Woking, Inglaterra, 3-7 de outubro de 2013. A terceira reunião da Comissão, realizada no Cairo, Egito, 13-17 de outubro de 2014, revisou essas respostas e fez pequenas revisões no texto. Toda esta obra foi realizada com o espírito de serviço a Cristo ressuscitado e à raça humana a quem Ele veio salvar. Nosso trabalho reconhece a presença de Cristo junto aos que sofrem na trágica história da humanidade. Expressa tanto a esperança de uma nova humanidade quanto a esperança da glória na qual participaremos da santidade de Cristo. Com a vontade de unidade em Cristo dentro de nós, tem sido nosso privilégio neste trabalho de exploração e colaboração lidarmos juntos com a compreensão da pessoa de Cristo Jesus (1 João 1.1).
Conseguimos concordar com a seguinte declaração*
*Esta introdução faz parte e é assinada com a Declaração de Acordo
Declaração aprovada sobre cristologia
1. Confessamos que nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo, é o Filho Unigênito de Deus que se encarnou e se fez humano na plenitude dos tempos para nós e para nossa salvação. Cremos em Deus Filho encarnado, perfeito em sua divindade e perfeito em sua humanidade, consubstancial ao Pai segundo sua divindade e consubstancial conosco segundo sua humanidade, pois a união foi feita de duas naturezas. Por isso confessamos um só Cristo, um só Filho e um só Senhor. [Com base na Fórmula da Reunião, 433 d.C.]
2. Seguindo o ensinamento de nosso pai comum, São Cirilo de Alexandria, podemos confessar juntos que na única natureza encarnada da Palavra de Deus, duas naturezas diferentes, distintas apenas no pensamento, (τῇ θϵωρίᾳ μόνῃ tê theôria monê) continuam a existir sem separação, sem divisão, sem mudança e sem confusão.
3. De acordo com este sentido de união inconfundível, confessamos a Santa Virgem como Theotokos, porque Deus, o Verbo, se encarnou e se fez homem, e desde a própria concepção uniu a si aquela humanidade perfeita, sem pecado, que herdou dela. Quanto às expressões a respeito do Senhor no Evangelho e nas Epístolas, sabemos que os teólogos entendem algumas de maneira geral como relacionadas a uma única pessoa, e outras distinguem como sendo de duas naturezas, explicando aquelas que são próprias da natureza divina, segundo a divindade de Cristo, e os humildes segundo a sua humanidade.
4. No que diz respeito aos quatro advérbios usados para qualificar o mistério da união hipostática: “sem mistura” (ou confusão) (ἀσυγχωτως asyngchytôs), “sem mudança” (ἀτρέπτως atreptôs), “sem separação” (ωχωρίστως achôristôs), e “sem divisão” (ἀδιαιρέτως adihairetôs), aqueles entre nós que falam de duas naturezas em Cristo são justificados em fazê-lo, uma vez que eles não negam com isso sua união indivisível inseparável; da mesma forma, aqueles entre nós que falam de uma natureza encarnada da Palavra de Deus estão justificados em fazê-lo, visto que eles não negam com isso a contínua presença dinâmica em Cristo do divino e do humano, sem mudança, sem confusão. Reconhecemos o limite de toda linguagem teológica e da terminologia filosófica que ela faz e usa. Não podemos capturar e confinar o mistério da entrega total de Deus na encarnação da Palavra divina em uma união inefável, inexprimível e misteriosa de divindade e humanidade, que veneramos e adoramos.
5. Ambas as famílias concordam em rejeitar o ensino que separa ou divide a natureza humana, tanto alma como corpo em Cristo, de sua natureza divina, ou reduz a união das naturezas ao nível de conjunção e de limitar a “união” à uma união de pessoas e negando assim que a pessoa de Jesus Cristo é uma única pessoa de Deus, o Verbo. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre” (Hebreus 13.8). Ambos os lados também concordam em rejeitar o ensino que confunde a natureza humana em Cristo com a natureza divina, de modo que a primeira é absorvida pela segunda e, assim, deixa de existir. Consequentemente, rejeitamos as heresias nestoriana e eutiquiana.
6. Na tradição anglicana, do século XVI, os Trinta e nove Artigos e o teólogo Richard Hooker testemunham a relevância contínua dessas preocupações. O Artigo II afirma "que duas Naturezas inteiras e perfeitas, ou seja, a Divindade e a Humanidade, foram unidas em uma Pessoa, para nunca serem divididas". No quinto livro das Leis da Política Eclesiástica, seção 5e, Hooker enfatiza o mistério necessário da pessoa em Cristo. “Não é a capacidade do homem expressar perfeitamente ou conceber a maneira como (a encarnação) foi realizada”. “Em Cristo, a verdade de Deus e a substância completa do homem estavam com pleno acordo estabelecido em todo o mundo, até o tempo de Nestório”. A igreja, afirma Hooker, repudiava com razão qualquer divisão na pessoa de Cristo. “Cristo é uma pessoa divina e humana, porém não, portanto, duas pessoas em uma, nem ambas em um sentido, mas uma pessoa divina porque ele é pessoalmente o Filho de Deus, humano, porque ele tem realmente a natureza dos filhos de homens” (Leis 52.3). "Diante disso, segue-se contra Nestório, que nenhuma pessoa nasceu da Virgem senão o Filho de Deus, nenhuma pessoa senão o Filho de Deus batizado, o Filho de Deus condenado, o Filho de Deus e nenhuma outra pessoa crucificada; cujo único ponto da fé cristã, o valor infinito do Filho de Deus, é a própria base de todas as coisas cridas em relação à vida e salvação por aquilo que Cristo fez ou sofreu como homem em nossa crença" (Leis 52.3). Na seguinte consideração do ensinamento de São Cirilo, Hooker mantém a importância da insistência de São Cirilo na unidade da divindade e da humanidade na única pessoa de Cristo, enquanto repudia qualquer interpretação eutiquiana dessa unidade. Hooker cita com aprovação a carta de São Cirilo a Nestório: "Suas duas naturezas uniram-se uma à outra e estão nessa proximidade tão incapazes de confusão quanto de distração. Delas a coerência não eliminou a diferença entre elas. A carne não se tornou Deus, mas ainda continua carne, embora agora seja a carne de Deus" (Leis 53.2). Os anglicanos continuam mantendo essa tradição como normativa hoje.
7. O termo "monofisita", que tem sido falsamente usado para descrever a cristologia das Igrejas Orientais Ortodoxas é enganoso e ofensivo, pois implica (N.T.: de forma explícita ou implícita) o eutiquianismo. Os anglicanos, juntamente com a ampla oikumene, usam o termo preciso "miafisita" para se referir ao ensinamento de São Cirilo da família das Igrejas Orientais Ortodoxas e, além disso, chamam cada uma dessas Igrejas por seu título oficial de "Oriental Ortodoxa". O ensino desta família confessa não uma única natureza, mas uma encarnada natureza divina-humana unida da Palavra de Deus. Dizer "uma única natureza" seria implicar que a natureza humana foi absorvida em sua divindade, como foi ensinado por Eutiques.
8. Concordamos que Deus, o Verbo, encarnou-se ao unir Sua natureza divina incriada, com sua vontade e energia naturais, à natureza humana criada, com sua vontade e energia naturais. A união das naturezas é natural, hipostática, real e perfeita. As naturezas são distintas em nossa mente, apenas no pensamento. Aquele que deseja e age é sempre a única hipóstase do Logos encarnado com uma vontade pessoal. Na tradição armênia do século XII, São Nerses, o Gracioso (Shenorhali) escreve: "Não pensamos que a vontade divina se opõe à vontade humana e vice-versa. Também não pensamos que a vontade de uma natureza era diferente em momentos diferentes, às vezes a vontade era divina, quando Ele queria mostrar Seu poder divino, e às vezes era humana, quando Ele queria mostrar a humildade humana”.
9. A perfeita união da divindade e da humanidade no Verbo encarnado é essencial para a salvação do gênero humano. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16), e “Em Cristo Deus reconciliou consigo o mundo” (2 Coríntios 5,19). O Filho de Deus se esvaziou e se tornou humano, absolutamente livre do pecado, para transformar nossa humanidade caída à imagem de Sua santidade. Este é o Evangelho que somos chamados a viver e anunciar.
10. Nós submetemos esta declaração revisada às autoridades responsáveis das Igrejas Orientais Ortodoxas e às autoridades responsáveis da Comunhão Anglicana para sua consideração e ação.
Rev. Dr. Geoffrey Rowell
Co-Presidente Anglicano
Sua Eminência Metropolita Bishoy
Co-presidente Oriental Ortodoxo
Assinado no Cairo, 15 de outubro de 2014